segunda-feira, 2 de maio de 2016

Esplendor do barroco místico no interior da catedral de Santiago em Compostela.

" A Europa se fez peregrinando a Santiago de Compostela"
frase atribuída ao escritor e pensador Goethe. 1

Vista do altar mor em tipologia barroca.
Fonte: www.benevale.com

Originalmente, a capela-mor foi construída na tipologia reinante na época, ou seja, o românico, vindo a ser completamente reformada durante o período barroco, a partir de 1657, por ordem de José Vega y Verdugo, o mestre de obras nomeado pelo papa Inocêncio X. Nas obras desse período trabalharam diversos artistas notáveis, como o catalão Onafre, Bernardo Cabrera ou o ourives Xosé Clemente, sob a direção do salmantino José Peña de Toro e sobre um projeto inicial de Pedro de la Torre. Os pilares e colunas românicas foram então revestidas por colunas salomônica em jaspes vermelhos e mármores negros. Quando Vega y Verdugo abandonaram as obras para ir à Granada, em 1672, só estava construído o primeiro corpo do baldaquino, cujas obras são continuadas por Domingo de Andrade, que em vez da cúpula prevista optou por uma de forma piramidal de três corpos.

Detalhe da escultura de Santiago com esclavina em prata.
Fonte: www.benevale.com
No centro da capela encontra-se o mausoléu do apóstolo, conhecido como o camarím. Por cima deste ergue-se o altar, construído igualmente por Andrade. Este desenhou três representações do santo. Dentro do camarím está uma imagem sentada de pedra policromada de 1211 de Santiago Apóstolo vestido como peregrino com uma esclavina de prata profusamente adornada com pedras preciosas, com uma cartela onde se lê «Hic est corpus divi Iacobi Apostoli et Hispaniarum Patroni» ("Este é o corpo de Santiago Apóstolo e Padroeiro da Espanha").  2  É tradição que os visitantes da catedral subam pela parte posterior do altar, através de uma escadaria dupla ali existente que liga os dois lados do deambulatório, para o "abraço do Apóstolo", que consiste em abraçar a imagem pelas costas. Sobre o tabernáculo está representado Santiago peregrino, a quem quatro reis prestam homenagem: Afonso III, Ramiro I, Fernando, o Católico e Filipe IV; as estátuas dos quatro reis são da autoria do leonês Pedro del Valle. 

Detalhe do artesoado ricamente decorado.
Fonte: www.benevale.com
Quatro pares de anjos sustentam o artesoado da cobertura, sobre a qual se encontra a terceira representação de Santiago, a cavalo, uma obra de Mateo de Prado (m. 1677), rodeado por imagens das virtudes cardinais, uma em cada um dos ângulos, todas da autoria de Pedro del Valle: a prudência, a justiça, a força e a temperança. A coroar o altar encontra-se a arca do corpo do apóstolo, encimada por uma estrela e transportada por anjos.

Vista da abóbada do cruzeiro, com decoração barroca.
Fonte: www.benevale.com
A prata usada na construção do frontal do altar, no sacrário, no expositor e na imagem da Imaculada foi doada pelo arcebispo de origem mexicana António de Monroy que esteve à frente da arquidiocese de Compostela entre 1685 e 1715. Detrás do camarim há um pequeno retábulo da autoria de Pedro de la Torre com cenas da vida do santo. Na entrada da capela há dois púlpitos renascentistas, um de cada lado, com mais cenas da vida do apóstolo, realizado por Juan Bautista de Celma em 1578. 

Debaixo do camarim está o suposto sepulcro de Santiago e dos seus dois discípulos Atanásio e Teodoro. Por receio das frequentes incursões de piratas ingleses, especialmente de Francis Drake, que ameaçava Compostela depois de desembarcar na Corunha em 1589, por ordem do arcebispo Juan de Sanclemente as relíquias foram trasladadas e escondidas no chão da abside ao lado da capela-mor.

Vista do altar a partir da nave central.

Detalhe dos confessionários localizados ao longo das naves laterais,
com atendimentos em diversos idiomas.
Fonte: www.benevale.com
Ao longo das naves, se enfileiram os feixes de colunas com fustes românicos e capitéis corintios ou compostos, cuja rigidez do material ou falta de decoração mais rebuscada preserva a atenção à abside ou ao altar mor da igreja. Ao longo destes fustes, saltam aos olhos dos estudiosos os inúmeros signos incrustados nas pedras que formam estas colunas, provavelmente herança das ordens secretas que participaram da construção desta edificação. Já as abóbadas e os arcos conservam vestígios de cinco etapas pictóricas: pinturas medievais, outras renascentistas de Juan Bautista de Celma, barrocas de Pedro de Mas ou tardo-barrocas de Gabriel Fernández, que as pintou junto com as do zimbório do cruzeiro entre os anos 1766 e 1767.



Inscrições simbólicas nas colunas de pedras ao longo da nave central.
Fonte: arquivo pessoal.
Como elementos únicos existentes nesta catedral vale ressaltar o par de órgaos e o turíbulo, considerado o maior do mundo existente em igrejas católicas. Inicialmente eram dois órgãos independentes. Devem-se a generosidade de Dom Antonio Monroy, Arcebispo (1685-1815). O situado ao sul da nave foi contratado o 13 de dezembro de 1704 ao Maestro de Órgãos Manuel da Vinha, vizinho de Salamanca. A Caixa deve-se a traça-a do arquiteto Antonio Afonsín e ao escultor Manuel Romay, ambos compostelanos. Passariam quatro anos até a entrega do mesmo no ano 1708. Em 1712 o Cabildo encarregou o situado ao norte da nave ao mesmo maestro e ao mesmo Romay a caixa;  Francisco Sánchez foi o encarregado de pintá-lo e dourá-lo.
Vista dos órgaos da catedral.
Fonte: www.benevale.com
Junto à Capela Maior, os órgãos e o coro, hoje desmontado e transladado ao Mosteiro de San Martín Pinario (enfrente da catedral) onde pode ser admirado, formavam o conjunto barroco do corpo da basílica. Os órgãos foram consertados e refinados repetidas vezes, mas pouco a pouco foi-se abandonando o situado ao norte, para limitar ao uso do Sul.  Ao desaparecer o Coro, a partir de 1946, procedeu-se à reforma dos órgãos. Dotou-se-lhes de uma consola comum, se substituiu o fole manual por outro elétrico e, conservando os canos como fonte sonora, se substituiu as varetas mecânicas por um sistema elétrico. Esta importante obra foi feita por Alberdi, famoso organeiro de Azpeitia (Guipúscoa).

Botafumeiro.

Padres acionando o botafumeiro.

Cerimônia com o botafumeiro.
Fonte: www.google.com
Quanto ao turíbulo, ele tem 1m50 de altura e pesa aproximadamente 53 quilos. É elevado a 20 metros de altura e, quando manejado mediante cordas para espargir o incenso pela catedral, pode chegar à impressionante velocidade de 70km/h. Esse enorme turíbulo é conhecido pelo apelido de "botafumeiro", que, na língua galega, significa algo como "espargidor de fumaça". O original foi construído em 1554 e roubado pelas tropas francesas em 1809. O atual foi fabricado 1851. O botafumeiro já foi usado em todas as missas de domingo, mas hoje é reservado a somente doze datas solenes por ano. Abaixo um vídeo revela o momento em que ele é utilizado durante a celebração.


Notas:

1. Goethe, Johann Wolfgang. Escritore  pensador alemão (Francfurt, Alemanha 1749-Weimar, Alemanha 1832). Profundamente europeu e europeísta, a Goethe é atribuída uma das frases que mais felizmente tem sido recuperada para a recuperação da importância das peregrinações atualmente: “Europa se fez peregrinando a Santiago de Compostela”. É utilizada em inúmeros livros, guias, exposições, discursos oficiais, etc. Contudo, a atribuição ao grande escritor alemão parece descartada. As organizações especialistas na obra de Goethe e estudiosos consultados por diferentes instituições – entre elas o governo autônomo da Galícia – não podem confirmar sua existência, 
pelo que atualmente se considera apócrifa.
Ainda assim, se atribuem ao autor de Fausto outra citação relacionando o fenômeno geral das peregrinações com a ideia da Europa.  O médico, político e europeísta galego Gerardo Fernández Albor afirma que a frase atribuída ao autor alemão é a seguinte: ‘Europa ist aus der Pilgerschaft geboren –‘Europa nasceu na peregrinação’-. Uma frase idêntica é resgatada por Millán Bravo Lozano, latinista e grande estudioso do Caminho e de suas origens, quem em um livro em alemão de 1992 sobre Compostela – Santiago de Compostela: auf alten Wegen Europa neu entdecken- destaca a seguinte frase de Goethe:  “Europa is auf der Pilgerschaft goberen und das Christendum ist Seine Muttersprache” –‘Europa nasceu na peregrinação e a cristandade é seu idioma materno”. Tudo indica que em um dado momento da contemporaneidade a frase foi adaptada ao interesse da peregrinação compostelana com um êxito inegável. Independente das afirmações dos estudiosos, na obra de Goethe se pode rastreae alguma referencia a peregrinação de Compostela. Em sua viagem à Itália, realizada entre 1786 e 1788, passa pelas proximidades do santutário suíço de Santa Maria de Einsiedeln, ponto histórico dos peregrinos, especialmente os germânicos. E neste ponto, estabelece relação com uma menina que o conta que estava ali para peregrinar a Compostela com sua mãe, mas esta morreu sem realizar a sua promessa. 
GOETHE, Johenn Wolfgang. Gran Enciclopedia del Camino de Santiago, volumen 9, pag. 53 y 54.
https://albertosolana.wordpress.com/2014/07/15/10-goethe-y-la-peregrinacion-como-origen-de-europa/

2. A esclavina é uma capa curta de tecido ou couro que cobre os ombros, tipicamente usada pelos peregrinos e romeiros.

3. Artesoado refere-se a uma obra decorativa onde se adorna tetos e abóbadas com artesões, molduras de madeira com motivos escultóricos ou pictóricos. É uma característica marcante da arquitetura mudéjar e mourisca.



segunda-feira, 25 de abril de 2016

Santiago de Compostela: a evolução da arquitetura através do estudo de suas fachadas.

“(...) Decorada com mais de cem imagens esculpidas grande parte delas em  mármore branco polido, 
a parte das peças puramente ornamentadas, aos raios de Sol refletiam esplendorosamente 
a glória daquele Apóstolo que ali aparecia contemplando o inenarrável de seu excelso Mestre. 
E os peregrinos ao admirarem tanta grandiosidade e  tanta beleza, proclamavam cheios de emoção e entusiasmo, 
como fazia o Autor do Livro V  do Códice Calixtino, que verdadeiramente era gloriosa
 a Tumba do Evangelizador da Espanha.”  1

A Catedral de Santiago foi modificada em numerosas ocasiões desde a sua construção, com diversas obras e ampliações que foram alterando substancialmente a planta em cruz latina original. Atualmente é um edifício complexo, do qual dificilmente o visitante consegue ter uma percepção clara da sua arquitetura e distribuição dos diversos espaços e estruturas. 2

Planta baixa original da Catedral.
Fonte: www.google.com

O “Guia do Peregrino” escrito por Aymeric Picaud entre 1135 e 1140, integrado no Códice Calixtino, constitui a primeira descrição detalhada do que era a cidade de Santiago e a sua catedral no século XII, dedicando a este tema todo o capítulo IX. Picaud descreve as dimensões da basílica: 53 "alturas de homem" (em latim: status hominis) de comprimento por 39 de largura e 14 de altura interior. 3  Descreve detalhadamente as três portas principais: a setentrional ou Francígena, a meridional, que posteriormente ficaria conhecida como Porta das Pratarias e a porta ocidental. Desta última há muito menos detalhes, mas menciona a imagem e cenas da Transfiguração. O certo é que quando visitou a catedral, ainda não estavam terminados os últimos tramos da nave nem podia ainda existir tal porta, pelo que se supõe que o que descrevia era o projeto que nunca chegou a ser realizado e que Mateus redesenhou anos depois. 4

Fachada do Obradoiro, atualmente com predominância da tipologia barroca
Fonte: www.google.com

Na atualidade, cada uma das fachadas forma com as respectivas praças conjuntos urbanísticos magníficos. Fachada do Obradoiro é o nome dado à fachada ocidental da catedral, pela qual se entra na nave principal. Dá para a praça homônima, a mais emblemática da cidade, em tipologia barroca. O seu nome é uma alusão ao estaleiro ou oficina (obradoiro) de canteiros que funcionava na praça durante a construção da catedral.  Para proteger o Pórtico da Glória da deterioração que sofria devido às inclemências meteorológicas, esta fachada e as suas torres sofreram várias reformas desde o século XVI, preservando o projeto românico concluído pelo Mestre Mateus em 1.188. Em 1738 o cabido decidiu construir a atual fachada barroca devido “à ruína de que padecia o espelho (rosácea) e à falta que faz a torre pela igualdade com a outra”, para o que contratou Fernando de Casas Novoa, discípulo de Domingo de Andrade. A fachada desenhada por aquele arquiteto dispõe de grandes janelas envidraçadas que permitem iluminar o interior e situa-se entre as torres das Campás (à direita ou ao sul) e da Carraca (à esquerda ou ao norte). Para a sua construção começou por derrubar-se o que então restava da fachada medieval. Neste novo projeto, designou-se a meio do corpo central a figura de Santiago Apóstolo e num nível mais abaixo os seus dois discípulos Atanásio e Teodoro, todos vestidos de peregrinos. Também encontram-se uma urna, representando o sepulcro encontrado no século IX e a estrela que representa as luzes avistadas pelo eremita Pelágio, de acordo com a lenda sobre o local, entre anjos e nuvens. Na torre da direita (sul) está Maria Salomé, mãe de Santiago, e na torre da esquerda o seu pai Zebedeu. Sobre a balaustrada da parte esquerda pode ver-se Santa Susana e São João e na da direita Santa Bárbara e Santiago Menor.

Palacio Farnese e sua escada de acesso.
Fonte: www.google.com

Detalhe da escada de acesso à catedral a partir da Praça do Obradoiro
Fonte: www.vigoenfoto.com
A porta da catedral está num nível bastante mais elevado do que o da Praça do Obradoiro, pelo que para subir até à entrada há uma escadaria, construída em 1606 por Ginés Martínez em estilo renascentista, inspirada na que Giacomo Vignola desenhou para o Palácio Farnese em Roma, em forma de losango, com dois lanços que rodeiam a entrada para a antiga cripta românica do Mestre Mateus, denominada popularmente "Catedral Velha".Entre o plano da fachada do Obradoiro e o antigo portal românico (o Pórtico da Glória) há um nártex coberto. Esta fachada tornou-se um símbolo da catedral e da cidade de Santiago de Compostela, o que é atestado, por exemplo, pelo fato de aparecer no reverso das moedas de um, dois e cinco cêntimos de euro de Espanha.

Entrada Porta das Pratarias.

Pormenor da porta da Fachada das Pratarias
Fonte: www.google.com
A porta de Acibechería é também barroca; foi iniciada por Lucas Ferro Caaveiro e Clemente Fernández Sarela e terminada por Lois Monteagudo. A única fachada medieval que ainda subsiste, ainda que também com modificações, é a das Pratarias, construída pelo Mestre Estevo, que é a fachada do lado sul do cruzeiro da catedral.  Embora tenha sido edificada entre 1103 e 1117, durante os séculos posteriores foram-lhe sendo adicionados outros elementos provenientes de outras partes da catedral, como o Pórtico do Paraíso ou o Coro Pétreo.  Outras modificações substanciais foram a construção da Torre do Relógio no século XIV e da Fachada do Tesouro. A Praça das Pratarias é delimitada pela catedral e pelo seu claustro em dois dos seus lados, tendo em frente à ela a Casa do Cabido. Ao que tudo indica, o nome das Pratarias deve-se ao fato da praça ser o local da cidade onde se concentravam as oficinas e lojas de ourives de prata. 

Tímpano da porta: Cristo sendo tentado pelo demônio.

Tímpano da porta: a vida e paixão de Cristo.
Fonte: www.google.com

Consta de duas portas de entrada com arquivoltas e tímpanos intensamente decorados. As arquivoltas assentam sobre onze colunas adossadas; a central e a dos extremos são de mármore branco e as restantes são de granito. Na do centro aparecem as figuras de doze profetas e nas laterais estão representados os apóstolos. Sobre os tímpanos há um grande friso que está separado do corpo superior por uma franja sustentada por cachorros grotescos; neste nível encontram-se duas janelas decoradas com arquivoltas românicas.  No friso central encontra-se a figura de Cristo, com várias outras personagens e diversas cenas; à sua direita há seis pequenas figuras de meninos cantores que pertenceram ao Coro Pétreo do Mestre Mateus e que foram colocados neste pórtico em finais do século XIX.  A disposição original dos elementos iconográficos foi desvirtuada desde que no século XVIII foram introduzidas numerosas imagens da antiga fachada da Acibechería então desmantelada. Num medalhão central aparece o Pai Eterno (ou Transfiguração de Jesus) com as mãos abertas e sobre os arcos do extradorso figuram quatro anjos com trombetas que anunciam o Juízo Final.

No tímpano da porta esquerda aparece Cristo tentado por um grupo de demônios. À direita aparece uma mulher meio despida com uma caveira nas mãos, que pode ser Eva ou a mulher adúltera, sentada sobre dois leões. Nas jambas estão representados Santo André e Moisés. No contraforte esquerdo o rei bíblico David sentado no seu trono com as pernas cruzadas, translúcidas através do fino tecido da sua roupa, e tocando uma viola, personifica o triunfo sobre o mal e é uma obra destacada do românico, esculpida pelo Mestre Estevo, conhecido como o Mestre de Pratarias.  No mesmo contraforte há também uma imagem da criação de Adão e de um Cristo bendizendo. Muitas destas figuras procedem da fachada românica norte, ou do Paraíso, substituída pela atual fachada da Acibechería e foram colocadas no século XVIII.

No tímpano da porta direita há várias cenas da Paixão de Cristo e da Adoração dos Reis Magos. Numa das jambas pode ver-se a inscrição que comemora a colocação da primeira pedra: ERA / IC / XVI / V IDUS / JULLII. A inscrição segue o calendário romano e segundo a contagem da chamada Era Hispânica corresponde a 11 de julho de 1078. Uma imagem, não identificada, com uma raposa que devora uma lebre e outra, frente a esta, com uma mulher mal vestida com um animal no colo, procedem de outro lugar. Na parede da Torre Berenguela, há outras imagens que representam a criação de Eva, Cristo num trono e o sacrifício de Isaac.

Acesso principal da Porta Santa.
Fonte: acervo pessoal.
Ainda há uma última porta emblemática, que vale ser destacada tanto pela beleza arquitetônica quanto pela importância religiosa. A porta santa localiza-se em uma das fachadas da catedral, sendo aberta apenas em anos jacobeus ou compostelanos, 5  vindo a abrir novamente em 2021. Foi construída, ou aberta, no século XVII perfurando a velha parede românica de forma a criar um acesso direto desde a Praça até à cripta, estando a porta ao fundo. É este o "Pórtico de Perdón": é como um painel de pedra que recebe o peregrino, mas não a porta em si que o faz. É chamada popularmente "Puerta de los veintisiete sabios" (Porta dos Vinte e Sete Sábios). Estes vinte e sete sábios são Santiago, os seus discípulos e os vinte e quatro anciães do Apocalipse. A cerimônia de abertura da porta é seguida de uma procissão religiosa conduzida pelo Arcebispo e pelas autoridades políticas, por vezes, o Rei, que se aproxima da porta e pedem ao Apóstolo licença para entrar. O ritual consiste em bater à porta com um grande martelo de prata, que permanece no tesouro da catedral, três vezes, perguntando: "Podem os pecadores entrar na Casa de Deus?".  A porta atual foi oferecida por um grupo de empresários e negociantes de Compostela, feita em bronze, substituindo a parede de pedras que bloqueava o acesso e que era demolida todos os Anos Santos. Como agora se tem uma nova porta, não se sabe como isso vai afetará o velho ritual. O que se sabe é que a decisão de mudar o velho muro por estas suntuosas portas ficou a dever-se a razões estéticas.

Porta Santa vista a partir do interior da catedral.
Fonte: turgalicia.com

Notas:

1. FERREIRO, Antonio López. Historia de la Santa A. M. Iglesia de Compostela. Tomo III. Libro Segundo. Los Tres Primeros Siglos de La Iglesia Compostelana. Parte Segunda. Pág 112. Santiago, Espanha, 1900.

2. De acordo com o Códice Calixtino, o projeto completo contempla 9  naves, sendo 6 pequenas e 3 grandes, 9 torres, 29 colunas, 63 janelas, 3 pórticos principais e 7 pequenos.

3. Ou seja, respectivamente, 90, 66 e 24 metros segundo a conclusão de alguns estudiosos, ou mais especificamente  97, 65 e 22 metros segundo a correção do historiador Lopez Ferreiro. Segundo o arquiteto norte-americano Kenneth John Conant (1894–1984), cuja tese de doutoramento se intitulou “The Early Architectural History of the Cathedral of Santiago de Compostela” ("A história arquitetural primitiva da Catedral de Santiago de Compostela"), esta medida de um status hominis equivale a 1,70 m. Para mais informações a respeito do uso da escala humana em edificações de cunho religioso, ver a tag  COVADO

4. “A ambigüidade com que o Códice Calixtino descreve uma suposta fachada ocidental da catedral anterior à obra de Mateus, assim como a ausência de vestígios arqueológicos ou arquitetônicos dela, levam a concluir que, ainda que seja possível que existisse um projeto, e mesmo uma oficina onde se trabalhasse em peças destinadas a essa porta, a catedral não foi terminada até à construção da fachada exterior do Pórtico da Glória.” Yzquierdo Peiró, 2011.

 5 . Veja as datas dos anos jacobeus: Dia do Apóstolo_Ano Jacobeo no site
http://sant-iagodecompostela.blogspot.com





sexta-feira, 22 de abril de 2016

Santiago de Compostela: antecedentes históricos das peregrinações

“ Pois nos nossos dias nos foi revelado o prezado tesouro do bem aventurado Apóstolo, 
ou seja, o seu santíssimo corpo. Ao conhecê-lo, com grande devoção e espírito de súplica, 
apressei-me a ir adorar e venerar tão precioso tesouro, 
acompanhado da minha corte, e dendemos-lhe culto no meio de lágrimas e orações 
como Patrono e Senhor de Espanha, e pela nossa própria vontade, 
outorgámos-lhe o pequeno obséquio antes referido, 
e mandamos construir uma igreja em sua honra. ”  

Rei Afonso II, o Casto, 4 de setembro de 834, justificando a construção da Capela a Santiago. 1 .

A concha símbolo do caminho de Santiago de Compostela pode ser identificada em todo o piso da cidade.
Foto: arquivo pessoal 
Internacionalmente famosa como um dos destinos cristãos mais importantes do mundo, a cidade de Santiago de Compostela a noroeste da Espanha, possui popularidade possivelmente só superada por Roma e Jerusalém no que diz respeito as peregrinações. Ligado a esta tradição, que remonta à fundação da cidade no século IX, destaca-se a catedral de Santiago, que abriga o túmulo de Santiago Maior, um dos apóstolos de Jesus Cristo. A visita a esse túmulo marca o fim da peregrinação, cujos percursos, os chamados Caminhos de Santiago ou Via Láctea, se estendem por toda a Europa Ocidental ao longo de milhares de quilômetros.


Angulos da cidade de Santiago, com sua arquitetura medieval.
Fotos: arquivo pessoal.
As origens do culto a São Tiago na Galícia se perdem na história. Contudo, em finais do século VII, textos revelam a divulgação no noroeste da Península Ibérica, de uma lenda que contava que o corpo do apóstolo Tiago teria sido enterrado naquelas terras após o período de evangelização. A evangelização da Hispânia por Santiago é mencionada pelo arcebispo Isidoro de Sevilha (560-636)  no seu tratado “De Ortu et Obitu Patrum” e pelo bispo inglês Adelmo de Malmesbury (639-709). Segundo esta lenda, na primeira década do século IX (especificamente no ano de 813, e oito séculos após a morte do apóstolo Santiago), um eremita chamado Pelágio (ou Paio) juntamente com outros fiéis, viu umas luzes estranhas perto do lugar conhecido como Solovio, num bosque chamado Libredón, e comunicou a ocorrência a Teodomiro, na ocasião bispo de Iria Flávia. Depois de três dias de jejum, o bispo e seu séqüito deslocaram-se ao local e descobriram entre o matagal um monumento construído em placas de mármore, constituído por um pequeno edifício abobadado em ruínas. Numa câmara do interior havia um túmulo em mármore e um altar, pelo que não tiveram duvida alguma de que se tratava do sepulcro do apóstolo e dos seus dois discípulos Atanásio e Teodoro.

Rei Alfonso II, em iluminura do século X.
Fonte: www.google.com
O bispo comunicou o achado ao rei das Astúrias e Galícia Alfonso II, o Casto, que se deslocou imediatamente com sua corte ao local, outorgando ao bispo as terras vizinhas ao sepulcro e as suas respectivas rendas. Dada a importância religiosa e política do achado, o rei Afonso II mandou construir uma igreja pequena e simples sobre o cemitério e “supra corpus apostoli” (“por cima do corpo do apóstolo”), junto a um batistério e outra igreja dedicada ao Salvador. Para tal foram derrubadas as colunas existentes e construída uma parede rodeando a arca de mármore e formando uma nave de planta retangular, com uma pequena ábside, estando todo o conjunto coberto com um teto em madeira. 

Escultura do rei Alfonso II, localizada na cidade de Santiago de Compostela
Fonte: arquivo pessoal.
  Desse primeiro templo pouco se conserva atualmente. Um pouco depois, durante o reinado de Afonso III, o Grande, devido ao número crescente de peregrinos e às pequenas dimensões da igreja, decidiu-se construir um novo templo, de maiores dimensões e com melhor construção do que o existente. A nova igreja foi construída segundo os princípios pré-românicos, com três naves e uma abside quadrangular, que integrou a igreja anterior no presbitério. As sepulturas de Santiago e dos seus discípulos não foram mexidas. O teto era ainda de madeira, com duas águas. Desse período, ainda existem restos da parte superior de três janelas laterais, em arco de ferradura.

No verão de 997, Santiago de Compostela foi atacada por Almançor, o governante do Califado de Córdoba. Prevendo esse ataque, o bispo Pedro de Mezonzo tinha mandado evacuar a cidade. O exército de Almançor incendiou a cidade e o templo pré-românico, mas respeitarou o sepulcro do apóstolo, um gesto que é comparado ao de Átila ao poupar Roma. A conservação do sepulcro permitiu que o Caminho de Santiago continuasse apesar da destruição do santuário, que voltou a ser reconstruído cerca do ano 1000 pelo bispo Pedro de Mezonzo. 2

Códice Calixtino original.
Foto: www.google.com
 O templo do século X também se mostrou pequeno para atender às numerosas peregrinações que acorriam à cidade. Sob o impulso do rei Afonso VI, o Bravo e do bispo Diego Páez em 1075 foram iniciadas as obras para construir uma grande catedral românica, a cargo dos mestres de obras Bernardo, o Velho, que concebeu e desenhou o projeto, e do seu ajudante Galperinus Robertus. Segundo Códice Calixtino  3 , trabalharam na construção 50 equipes de obras   4 .  Em 1101, o Mestre Estêvão abandonou a cidade de Compostela, deixando completas as capelas do deambulatório e iniciadas as obras da fachada das Pratarias. A partir daí os trabalhos prosseguiram com regularidade; em 1111 foram terminadas as obras no cruzeiro, em 1122 (de acordo com o mesmo Códice Calixtino) foi colocada a última pedra.  Diego Gelmires teve um papel crucial não só na construção da catedral como na intensa atividade de construção vivida na cidade nessa época. Tendo sido nomeado bispo em 1100, em 1120 tornou-se o primeiro arcebispo de Compostela. E apesar de tantos períodos com as obras paradas, a grande quantidade de esmolas conseguidas possibilitou que a igreja fosse consagrada em 1128.

No ano de 1140 deu-se início a mais uma fase de construção, quando já estavam construídos e cobertos seis tramos das naves. Nesta fase as obras estiveram a cargo do Mestre Mateus, que respeitou a organização arquitetônica precedente e que em 1168 começou a construir o Pórtico da Glória. Não obstante as obras terem prosseguido por boa parte do século XIII, a catedral foi consagrada definitivamente em abril de 1211. Nos motivos esculpidos nos capitéis da nave central é notória a evolução dos mestres da obra: nos primeiros — a contar do cruzeiro — aparecem parelhas de animais fantásticos e reais (águias, leões, pombas e sereias) e, ocasionalmente, figuras humanas; os quatro últimos tramos já são claramente obra da oficina de Mateus: folhas lisas ou espiraladas, por vezes com figuras humanas assomando-se entre elas, monstros, leões, dragões e lobos.

A catedral de Santiago, vista a partir da praça do Obradoiro.
Fonte: www.google.com
Durante os séculos XVII e XVIII foram levados a cabo transformações profundas na catedral, tendo sido introduzidos elementos barroco, tanto no interior como no exterior da basílica. As obras começaram a partir de 1643, quando Filipe IV outorga uma renda anual para financiar as obras na cabeceira. Em 1649 chega à cidade José Vega y Verdugo, que introduz verdadeiramente o barroco na catedral. Em 1657 o arquiteto madrileno Pedro de la Torre inicia a remodelação da capela maior.

Praça do Obradoiro com edificação do Hospital dos Reis Católicos.
Fonte: www.google.com
 Como era de se esperar para uma edificação com história tão movimentada, a população que atualmente vive na cidade teve como origem a própria catedral, seja por questões religiosas ou pela necessidade de mão de obra para a construção do edifício, o que desperta grande interesse para estudarmos mais a fundo a igreja maior. Mesmo a praça que hoje é o lugar principal de chegada dos peregrinos e onde se observa melhor a fachada da igreja, denominada Praça do Obradoiro, teve seus limites preservados porque era ali nesta esplanada onde se localizavam os canteiros de obras no período de sua construção. E, em se tratando de uma obra arquitetônica grandiosa que teve inicio na Idade Média, é fácil acreditar que agrupamentos de ordens místicas eram atuantes nestes canteiros, como provam a existência de alegorias mitológicas na decoração da catedral ou os códigos inseridos em pilares ou blocos de pedras do interior da Igreja. No próximo artigo trataremos mais da arquitetura mística da Catedral analisando textos do Códice Calixtino e imagens da arquitetura do lugar.
  
Notas:

1 - BRAVO Lozano & Raurich. El Camino de Santiago inolvidable, Editora Everest. Leon, Espanha. 1999, p. 5


3 - O Liber Sancti Jacobi, também referido como Codex Calixtinus ou Códice Calixtino (Santiago de Compostela, Arquivo da Catedral, s.n.), é um manuscrito iluminado de meados do século XII.  É conhecido do grande público pelo seu livro V, que se constitui no mais antigo guia para os peregrinos que faziam o Caminho rumo a Santiago de Compostela, incluindo conselhos, descrições do percurso e das obras no arte nele existentes, assim como usos e costumes das populações que viviam ao longo da rota. Os demais livros do códice contêm sermões, narrativas de milagres e textos litúrgicos diversos relacionados com o apóstolo São Tiago.

4 - M. C. Díaz y Díaz, El Códice Calixtino de la Catedral de Santiago. Estudio Codicológico y de contenido, Santiago de Compostela, Espanha. 1988.




terça-feira, 17 de novembro de 2015

Arte, natureza e símbolo na Quinta da Regaleira.

“A Regaleira assume um caráter único no panorama mundial dos jardins, 
enunciando uma paisagem épica na recriação do Paraíso perdido – que 
o saber do seu proprietário sobre a biodiversidade, em particular a do 
Novo Mundo, permite evocar – inscrevendo-se de forma singular na 
tradição dos grandes jardins europeus, espaços de sagração da Natureza 
onde se revisita o pensamento clássico de Platão e de Aristóteles e 
onde ecoam, desde o Renascimento, as grandes intuições do hermetismo.”

1
Vista do Palácio a partir da ponte de entrada.
Foto: acervo particular
Pouco difundida nos guias turísticos, a Quinta da Regaleira na cidade de Sintra se insere no roteiro indispensável para quem visita a cidade de Lisboa em Portugal. Do ponto de vista arquitetônico, a casa onde viveu Antonio Augusto de Carvalho (1848-1920) já valeria a visita por se tratar de um exemplar com estética belíssima contudo, aos iniciados ou estudiosos de mística ou religiosidade, a visita se torna inesquecível. Isso porque, embora possua uma capela, não se trata de uma construção cujo programa de necessidades seja especificamente para rituais, mas uma residência onde o interesse místico se tornou uma obrigatoriedade no projeto arquitetônico.

Vista dos jardins tendo em destaque a torre sineira da capela.
Foto: acervo particular
 A cargo do arquiteto italiano Luigi Manini (1848-1936), o projeto que durou muitos anos  - 1904 a 1910 -, diluiu vários textos ou passagens com enfoque místico no paisagismo, na arquitetura e mesmo no mobiliário elaborados primorosamente para adornar as diversas salas ou ambientes espalhados por cerca de 4 hectares de terreno.
Detalhe das cordas decorando as janelas.

Detalhe dos animais míticos e folhagens em meio às cordas.

Detalhe da decoração interna do Palácio.
Até pela forma como foi implantada no terreno, o primeiro ponto a chamar a atenção de quem adentra a Quinta é o palácio. O projeto arquitetônico seguiu os cânones da geometria sagrada, estando estes aspectos traduzidos nas proporções, composição ou mesmo orientação rigorosa dos espaços. Contudo, nos salta aos olhos a mensagem simbólica utilizada na decoração da fachada composta de cordas – símbolo importante em várias teorias místicas como a da maçonaria –, gárgulas – figuras animalescas das construções góticas –, animais alados como morcegos, lagartos ou águias, pináculos decorados com dragões ou mesmo deuses pagãos inseridos em meio a folhagens como os deuses romanos camuflados em meio a fachada à maneira dos celtas. O interior não é diferente, porém a decoração segue de acordo com o uso de cada sala, intensificando ainda mais o caráter simbólico da atividade e do símbolo referido.

Praça de Baco.

Detalhe de ânfora com Baco e Baphomet.

Banco decorado em meio ao jardim.
Os jardins podem ser admirados apenas pela beleza estética, ou degustados de maneira mais rica pelos iniciados ou conhecedores de alquimia e mística. A orientação de diversos “templos” pode parecer confusa mas segue um rigoroso critério de implantação para que a posição geográfica de cada parada reforce ainda mais o caráter simbólico da edificação, caso da capela ou mesmo no poço iniciático, localizado na cota mais alta da Quinta. Os caminhos são todos adornados com deuses romanos, fontes com decoração temática, portais ou mirantes com bancos ricamente esculpidos, praças com posicionamento de bancos evidenciando a lenda ou o mito. Mesmo sendo o caminhar algo muito agradável, dois momentos são os mais fortes no paisagismo da Regaleira: a capela e o poço iniciático.

Interior da capela com destaque para o forro com geometrica gótica.

Forro do coro com decoração em cordas e símbolos maçônicos.

Vista da cripta da capela com piso xadrez preto e branco.
A capela tem o altar dedicado à Coroação da Virgem Maria, preservando também o tema mariano já na fachada tanto na torre sineira quanto no pórtico de entrada. Contudo salta aos olhos outros elementos que são mesclados a estes, alguns já visíveis na fachada do palácio e outros referentes à Ordem do Templo ou Ordem de Cristo, movimentos importantes na sociedade portuguesa no período dos Descobrimentos. Destes símbolos é notória a cruz grega tanto no alto da porta de entrada quanto no piso da capela, marca presente nas ilustrações de navegadores como Vasco da Gama. Embora a decoração exterior seja muito interessante, no interior duas surpresas saltam aos olhos: a primeira a figura de um triangulo com um olho humano no centro localizada no teto do coro, e a segunda o piso em xadrez preto e branco na cripta da capela, ambos muito comuns na simbologia maçônica. Embora não haja nenhuma referencia a estes dois temas, é de se suspeitar a participação do proprietário e do arquiteto nesta ordem haja visto que eram pessoas bastante influentes na sociedade da época. Além disso, pesquisas recentes elaboradas pela equipe responsável pela Quinta da Regaleira descobriu outros símbolos maçônicos em livros que faziam parte do acervo da biblioteca de Antonio Augusto de Carvalho.

Vista superior do poço, com piso ao fundo imitando rosa dos ventos.

Vista do alto de dentro do poço.

Detalhe dos nichos e arcos da escadaria.

A outra edificação que desperta curiosidade é o “Axis Mundi”, ou o poço iniciático. Localizado no ponto mais alto dos jardins, o poço foi construído como uma torre invertida para unir o céu e a terra. O poço dispõe de quatro acessos em níveis distintos, cada um direcionado a um ponto cardeal e conectado com outras edificações localizadas em pontos extremos do jardim. Os degraus somam 139 pisos, cuja soma 13 alude a números cabalísticos, e os 22 nichos existentes aos arcanos maiores do taro. O fundo tem a decoração da “rosa dos ventos” demarcando os pontos cardeais. A descida no poço resgata diversos textos místicos, estando por vezes ligada à Divina Comedia de Dante – por causa dos 10 patamares – ou mesmo outros livros que citam a viagem iniciática com o objetivo do conhecimento do homem e da Natureza.
Vista do complexo Quinta da Regaleira.
Foto: acervo particular.
Aos acéticos, conhecer a Quinta da Regaleira vale pela beleza arquitetônica e paisagística; aos iniciados, caminhar por estas edificações resgata o sentido dos estudos místicos e reforça a certeza de que quando a Arte, a Natureza e o Símbolo estão juntos, o resultado é muito próximo da perfeição do Cosmos!

 Serviço: a Quinta da Regaleira esta localizada na Estrada EN375, ou Estrada da Quinta da Regaleira, 2710-567, em Sintra, Portugal. O horário de atendimento ao publico é das
10h00 as 17h00. O email para contato é geral@cultursintra.pt.

Notas: 

1. Do livro Quinta da Regaleira, coleção Arte, Natureza e Simbolo, Volume 1.




quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Arquitetura simbólica das lojas maçônicas

 " Hiram fabricou também as conchas, tenazes e taças, para a aspersão.
 Terminou, assim, as obras de que o encarregara o rei salomão no Templo de Javé: 
as duas colunas, as esferas sobre os capitéis, as duas redes que cobriam as esferas das colunas(...)".
I Reis, 7, 40-41 .  1

Importante iniciar este texto explicando o que é “Loja”, muito empregado para designar os edifícios de Ordens Secretas como a Maçonaria.  O termo “Loja” refere-se tanto ao grupo de homens autorizados por uma Grande Loja, quanto à sala onde se reúnem. Contudo, embora na língua portuguesa a palavra “Loja” designa um estabelecimento comercial, em outras línguas como o espanhol  (logia) , alemão (loge) , o italiano (loggia), ou mesmo o francês  (loge), o termo semelhante ao que usamos no Brasil não se traduz por algo comercial mas por uma construção simples ou à casa de porteiro ou um caseiro. Assim, com base nas línguas italiano, espanhol, alemão ou mesmo francês, o termo está relacionado a uma edificação rústica utilizada para alojar trabalhadores, uma relação direta com as origens da Maçonaria. 2

Avental Maçônico inglês, datado de 1813, apresenta entre as
representações simbólicas duas colunas gregas, mostrando a
importância da arquitetura para a Ordem.
As primeiras Lojas reuniam-se em aposentos reservados de tavernas;  hoje, as Lojas se reúnem em seus próprios salões, em centros Maçônicos que oferecem instalações para várias Ordens diferentes ou em salões de uma Grande Loja. E à medida que a Ordem evoluía no numero de membros a ponto de necessitar de seus próprios edifícios, todo um complexo sistema de decoração e arquitetura era criado, apresentando no espaço físico alguns símbolos importantes para as cerimônias, inclusive fixando o posicionando de determinados lugares de acordo com a ritualística própria no salão principal das edificações.

No século XVIII quando teve inicio a Maçonaria especulativa formal,
muito atribuiram aos maçons a construção de importantes
edificios da Antiguidade.
Gravura feita por artista de Frankfurt, datada de 1738
Em se tratando de uma Ordem Secreta, muito do que se encontra é mera especulação da verdadeira simbologia Maçônica já que o sigilo faz parte da regra. Contudo, há de se verificar que independente do significado que os membros utilizam, determinados elementos possuem carga simbólica que transcendeu o período inicial em que foram criados, facilitando uma possível compreensão do que seria o simbolismo Maçônico para estes itens decorativos.

Painél marchetado apresenta a tipologia classica para
as fachadas das Lojas. 
Já na fachada das Lojas é possível notar a presença de colunas e de um frontão triangular como nos templos gregos ou romanos. Para os capitéis e colunas, nota-se uma livre adaptação das ordens clássicas de acordo com a necessidade de cada Loja, não levando muitas vezes também em consideração a proporção ou mesmo os elementos originais para a decoração do entablamento    3 . Contudo, a imponência que estes edifícios possuem sobre o entorno apontam mais para a arquitetura romana, onde a paisagem não era levada tão a sério mas a grandiosidade da construção em questão. Talvez também por ser tratar de uma Ordem que teve inicio nos canteiros das catedrais góticas, a monumentalidade seja algo mais importante que a adequação com o vizinhança. Com relação ao numero de  colunas nas elevações frontais, não se sabe se existe um numero máximo, porém para o mínimo há necessidade de serem duas, em alusão ás possíveis colunas existentes no Templo de Salomão, projeto do arquiteto Hiram Abif, que figura de modo proeminente no ritual de dois Graus.

Fachada de Loja Maçônica, com colunas jônicas e entablamento
decorado com rigor clássico.
Fonte: www.google.com.br
Abaixo algumas imagens com fachadas de Lojas Maçônicas no Brasil e em outros países:

Templo Maçônico de Paris.
Fonte: Fonte: A Maçonaria: simbolos, segredos e significados
Projeto de 1804,  suposta Loja Maçônica de autoria atribuida ao
arquiteto neoclássico Claude Ledoux.
Fonte: A Maçonaria: simbolos, segredos e significados

Detalhe de fachada de Loja Maçônica

Detalhe de fachada de Loja Maçônica

Detalhe de fachada de Loja Maçônica
Detalhe de fachada de Loja Maçônica

Detalhe de fachada de Loja Maçônica


Notas:

1. Biblia Sagrada, Antigo Testamento. Biblia, mensagem de Deus. Biblia n. 1 - Grande - vermelha. 
Edições Loyola, São Paulo, SP. 1983.

2. Com base nesses termos, que denominam as Lojas Maçônicas nas línguas francesa, italiana, espanhola, 
alemã e inglesa, pode-se compreender que as expressões referem-se a uma edificação rústica 
utilizada para alojar trabalhadores, e não a um estabelecimento comercial. 
Verifica-se então uma relação direta com a Maçonaria Operativa, em que os pedreiros costumavam e 
até hoje costumam construir estruturas rústicas dentro do canteiro de obras, 
onde eles guardam suas ferramentas e fazem seus descansos. 
Essas simples edificações que abrigam os pedreiros e suas ferramentas nas construções 
são chamadas de “loge, lodge, loggia, logia” nos países de língua francesa, alemã, inglesa, italiana e espanhola.  
A palavra na língua portuguesa que mais se aproxima desse significado não seria “loja” e sim “alojamento”. 
Nossas Lojas Maçônicas são exatamente isso: alojamentos simbólicos de construtores especulativos. 
Isso fica evidente ao se estudar a história da Maçonaria em muitos países de língua espanhola, que algumas 
vezes utilizavam os termos “Alojamiento” em substituição à “Logia”, 
o que denuncia que ambas as palavras têm o mesmo significado.
À luz dos significados dos termos que designam as Lojas Maçônicas em outras línguas, 
podemos observar que a teoria amplamente divulgada no Brasil de que o uso da palavra “Loja”
 é herança das lojas onde os artesãos vendiam o “handcraft”, ou seja, o fruto de seu trabalho manual, 
além de simplista, é furada. Se fosse assim, os termos utilizados nas outras línguas 
citadas teriam significado similar ao de estabelecimento comercial, se seria usado 
em substituição às outras palavras que servem a esse fim.
Na próxima vez que você passar em frente a um canteiro de obras e ver à margem aquela 
estrutura simples de madeira compensada ou placas de zinco, cheia de trolhas, níveis, 
prumos e outros utensílios em seu interior, muitas vezes equipada também com 
um colchão para o pedreiro descansar à noite, lembre-se que essa estrutura é 
a versão atual daquelas que abrigaram nossos antepassados, os maçons operativos, 
e que serviram de base para nossas Lojas Simbólicas de hoje.

Fonte: http://www.noesquadro.com.br/2011/02/por-que-loja-maconica.html#sthash.BgtekceX.dpuf


3. Na simbologia Maçônica, as ordens clássicas estão relacionadas à virtudes sendo respectivamente 
Jônica, Dórica e Coríntia, os pilares da Sabedoria, Força e Beleza, 
relacionadas também aos principais oficiais das Lojas. A Maçonaria. Simbolos, segredos e significaddo. W.kirk MacNulty.